[Publicado noPúblico de 27/9/2013]
É urgente assinar a petição elaborada pela Iniciativa de Auditoria Cidadã (www.auditoriacidada.info) que exige que os serviços oficiais pagos por nós auditem a dívida pública com a participação dos cidadãos. A IAC trabalha há muito para conhecer a dívida que serve de pretexto para as políticas de destruição do nosso país e das nossas vidas, mas os limites do trabalho de um grupo de voluntários não o permitem.
A crise que vivemos é uma profunda crise sobre a concepção do mundo e das sociedades. Chegámos aqui quase sem darmos por isso. Confiando na democracia. Chegámos aqui através de profundas transformações que tornaram a pessoa num recurso chamado capital humano.
Passarmos de pessoas a capital humano foi uma das transformações mais profundas, mais silenciosas e mais terríveis que nos trouxe ao que hoje vivemos: à pobreza que se instala na vida de muitos para que a riqueza cresça para alguns outros.A economia financeira é uma grande máquina que transforma os direitos sociais em créditos ou em dívidas. Não se luta por aumentos salariais, pede-se um crédito ao consumo. Não há direito à reforma, paga-se um seguro. Assim, alógica actual é a da transformaçãode um direito individual num crédito individual.
Estamos no início de mais um ano lectivo. Atrapalhado, confuso, com a escola pública empobrecida e muitos professores desempregados.
Entre incêndios e futebol, pouco se fala do que vivemos. Às vezes ouvimos um senhor chamado primeiro ministro que diz que estamos a sair da crise. Alguém deu por isso? Ou estão eles (governo, partidos da maioria e troika) a preparar mais empréstimos, mais cortes e mais pobreza para nós (não para eles, claro)? A IAC dá o seu contributo sob o lema «Pobreza não paga a dívida». Pense nisso. E lembre-se da Grécia, da Espanha, de Chipre e de muitos outros países que estão, sob o poder dos mesmos interesses financeiros e políticos, a viver as mesmas desgraças que nós.
Pensei então em elaborar uma «breve manual de sobrevivência contra a crise». Ou seja, que podemos nós fazer para não termos medo, para não andarmos tristes e amargurados, deprimidos e assustados?
“A mais poderosa arma nas mãos do opressor é a mente do oprimido” (Steve Biko)
1. Crise financeira ou crise política?
A crise que vivemos apresenta-se nos discursos dos diversos poderes – político e mediático, nomeadamente – como uma crise económica e financeira. “Produzimos pouco e gastámos muito”, dizem eles. Que os custos são desigualmente repartidos na sociedade e que são um instrumento de novas opressões e exclusões é claro para todos nós.
Que o digam as centenas de milhares de desempregados e de precários, realidades que se vivem também na classe docente.
Não vos darei, por isso, nenhuma novidade ao dizer que esta crise é POLÍTICA e é uma crise de MODELO DE SOCIEDADE.
Os novos bárbaros são todos os que a troika representa. Trazem como armas o MEDO e a MENTIRA. “Batendo as asas pela noite calada vêm em bandos com pés de veludo” (não é, Zeca Afonso?). Foi assim que chegaram, nós embalados por uma democracia cada vez mais seca e mais estreita, descontentes, mas enfim, crises já vimos algumas e coragem não nos falta. Ou falta? Convivemos com a corrupção, não exigimos explicações de muitas decisões que nos escapavam. Os exemplos são muitos – da Parque Escolar ao BPN e às Parcerias Público Privadas. Vimos lugares e lugares escandalosamente pagos (por nós) a trocarem de mãos, sempre entre os mesmos, quase desistimos de ouvir os discursos dos “políticos”, de vocabulário reduzido e palavras falsas e formais. Palavras que nós sentimos que eles não sentem.
Vivo num bairro antigo de Lisboa. Classe média, cafés, restaurantes, jornais, lojas, barbearias, vizinhanças que se conhecem e que conversam.
Nos últimos meses, o tema das conversas é a «crise». E que dizem os meus queridos vizinhos?