Resumo do artigo publicado no Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa) de Novembro de 2014
Só o homem, de entre todos os seres vivos, possui a palavra.
Aristóteles, Política
Se procurarmos no dicionário um primeiro esclarecimento sobre o seu significado da palavra dívida, podemos encontrar a seguinte definição:
Dívida| substantivo feminino
(latimdebita, neutropluraldedebitum, -i, dívida)
1.Coisaquesedeve.
2.Dinheirodevido.
3.[Figurado]Dever(quesecumpreouporcumprir).
4.Ofensa(dequeseesperatirardesforra).
5 Pecado. [1]
De facto, normalmente definimos dívida como “coisa que se deve” ou “dinheiro devido”. Mas a definição apresentada recobre ainda um sentido moral (“dever” e “ofensa”) e um sentido religioso (“pecado”). Esta ideia é tão penetrante que uma parte considerável do nosso discurso habitual sobre a dívida ainda hoje permanece nesse ambiente onde a moral e a religião se confundem [2].
«Nós e a dívida: compreender para enfrentar»
No dia 19 de novembro, nas instalações do SPGL em Lisboa, decorreu mais uma sessão de informação e debate sobre a dívida, promovida conjuntamente pelo SPGL e pela IAC. A sessão foi apresentada por António Avelãs e moderada por Luísa Teotónio Pereira, com as intervenções de Sara Rocha e Rosário Caetano, ambas da IAC, a que se seguiu um debate com os presentes.
As duas apresentações, que procuraram contribuir para o esclarecimento do tema da dívida, partiram de perspetivas de abordagem distintas, mas que se complementam. A primeira apresentação, de natureza mais técnica, abordou a questão da dívida a partir de uma dimensão económica, enquanto a segunda apresentação procurou fazer uma abordagem a partir de questões de ordem política e social.
“Certamente temos que pagar as nossas dívidas.”
Esta afirmação é tão poderosa que não é apenas uma declaração económica: é uma afirmação moral. Afinal, não é através do pagamento de dívidas que supostamente a moralidade é baseada? Dar às pessoas o que lhes é devido. Cumprir as obrigações para com os outros, tal como seria de se esperar que eles cumpram as suas respectivas obrigações para conosco. O que poderia ser um exemplo mais óbvio de fugir às responsabilidades do que se recusar a pagar uma dívida?
Este era o tipo de raciocínio que poderia fazer coisas terríveis parecerem totalmente triviais.
David Graeber[1]
Dívida, s. f.
1. Coisa que se deve.
2. Dinheiro devido.
3. [Figurado]Dever
4. Ofensa.
5. Pecado.
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Sobre aquilo que é (juízos de facto) debruçam-se as várias ciências empíricas que estudam o mundo físico; sobre aquilo que deve ser (juízos de valor) debruça-se a ética. Assim, a questão “A dívidadeve ser paga “a todo o custo?” remete para o domínio da ética. E, dentro desta, para um problema específico da máxima relevância e, frequentemente, da máxima dificuldade: o problema da responsabilidade.
Numa dívida, como em muitos outros contextos do agir humano, coloca-se, então, a questão de saber quem é o responsável pela ação. Neste caso em particular trata-se de saber quem deve ser responsabilizado pela dívida: o devedor?, o credor?, ou ambos?